Dessa vez, aconteceu com o veleiro Éax

O emborcamento do microtonner Éax, da Iara Lindoso, na véspera do último Natal, "no século passado", reascende convenientemente novas discussões sobre a segurança das embarcações, mesmo em regiões, digamos, relativamente aprazíveis como o Lago Paranoá, em Brasília.

Rommel, Iara e Olímpia saíram do Clube Naval, sábado, dia 23 de Dezembro, em direção ao Iate Clube com céu azul e nuvens brancas. De repente, o céu começou a ficar preto. Na altura do Palácio da Alvorada e o Clube do Congresso o vento toma proporções de ameno para rajadas repentinas vindas de várias direções. Aparelhos do Iate Clube indicavam rajadas de 44 nós.

A tempestade se instalou instantaneamente com visibilidade de poucos metros. Pegos de surpresa e com as velas soltas e panejando violentamente, uma fortíssima rajada vira o Microtonner Éax que imediatamente emborca. "Qualquer barco viraria naquelas condições" disse Rommel.

Ao contrário do que muitos pensavam, a bolina estava toda embaixo e, segundo Rommel, com a trava. Mas no momento que um Microtonner vira, a bolina do micro desce uns trinta centímetros até encontrar a trava, dificultando voltar o barco à posição normal.

E o pior
Mas o perigo maior não foi esse. Não havia um só colete salva-vidas dentro da embarcação, nem bóia. E três pessoas n'água, o barco de cabeça para baixo e afundando. Rommel mergulha e tenta safar todos da situação procurando algo que flutuasse. Ele encontrou os colchonetes da embarcação mas logo percebe que são de espuma e, encharcados, só fizeram afundar.

Uma lancha passa, não muito longe. Rommel sobe no barco e acena pedindo socorro. Ela passou direto sem prestar ajuda. Mas uma vez é lançada a discussão sobre a falta de solidariedade já detectada em alguns proprietários de lancha.

Só depois de uma hora e meia do emborcamento, e sofrendo de muito frio, uma segunda lancha passa com tripulação feminina e presta socorro. Iara, completamente roxa de frio, e Olímpia, nervosas e abatidas, são levadas ao Iate Clube onde, vale ressaltar, encontrou toda solidariedade possível. Imediatamente uma lancha é acionada para o local com Joaquim e outro marinheiro.

Rommel ficou no barco semi-afundado mas com o colete emprestado pelas tripulantes da lancha com o objetivo de salvar a embarcação. O Microtonner tem três compartimentos estanques que, à princípio, mantém o barco flutuando em caso de emborcamento. Mas não é confiável, pois há relatos de micros afundarem devido ao isopor no interior já estarem desgastados pelo tempo, apesar de serem de células fechadas.

Rommel e os dois marinheiros conseguiram desvirar o barco. Interessante observar que bastou o peso de três pessoas de pé, em um lado da embarcação emborcada para colocá-lo na posição normal com a ajuda de um cabo amarado à catraca do barco. Ele foi rebocado, cheio d'água, até o pier mais próximo, ao lado da Churrascaria do Lago.

Eles perderam tudo que tinha no interior do barco. Documentos, dinheiro, chaves de casa e do carro, um jogo de velas novas e etc...

O episódio acontecido com o barco Éax serve de lição para os demais. Naquela situação, qualquer barco pode virar (muitos discordam!!!). E não se deve pensar que só acontece com os outros. Equipamentos de segurança devem estar presentes em qualquer embarcação.

Pela falta dos coletes Rommel comentou: "Eu vi a morte de perto". Vale ressaltar que ele tem um longo curriculum náutico e já passou por outras experiências semelhantes mas nunca se viu em situação tão perigosa.

Nesse dia, no mesmo sufoco, estava o velejador Rubens Milagres, no seu veleiro Marreco Eclipse. Ele baixou todas as velas ao ser pego de surpresa por ventos vindos de todos os lados em frente à Península dos Ministros. Mesmo sem velas, o barco adernava assustadoramente. Sem conseguir fixar o rumo, ele pediu socorro pelo celular e imediatamente marinheiros do Clube Naval vieram rebocá-lo chegando à salvo no pier.

No caso específico do Microtonner que tem um longo relatório de viradas espetaculares, os regatistas Micro de São Paulo colocam seis salsichões flutuadores usados em optimist no interior da embrcação. Encher os compartimentos internos com "espaguetes" flutuadores usados em piscinas também é o ideal. Veja fotos de micro com esse dispositivo de segurança no site do Microtonner Chrysalis com instruções enviadas pelos micrtonnista Martin Izarra, coordenador da classe Microtonner de São Paulo . No mesmo site é possível ver uma trava para o micro que não corre.

O episódio do veleiro Éax é de longe muito mais dramático do que o do Microtonner Chrysalis que virou apenas 90º no feriado do Dia do Evangélico, em novembro último. O veleiro ficou cinco minutos nessa posição e voltou à posição normal após o vento forte enfraquecer e o timoneiro escorar em cima da bolina tal qual normalmente é feito no barco laser (veja relato com comentário de vários velejadores).


Relato do "sufoco"
de Luiz Fernando Montenegro Valls
do veleiero fast Rabbit

Estou há seis meses aprendendo a velejar, e tomei a primeira lição sobre tempestade no lago no sábado passado.

Saí sozinho do clube (ICB) no Rabbit, Vega (Fast) 23, às 14h, com céu azul e nuvens brancas.

A previsão era de chuvas isoladas por todo o DF.

À medida que fui navegando rumo à barragem, começaram a aparecer nuvens de chuva por trás do morro do Paranoá.

Vi que vinha chuva, e pressupus o vento que deveria antecede-la. Mas errei no cálculo.

Imaginei que poderia ir navegando em contravento, da frente do Clube do Congresso até a ponta do Alvorada, antes da chuva chegar.

Se eu ultrapassasse o Alvorada, ficaria fora da chuva, rumo à Raia Sul, como era meu propósito. Mas o vento veio em rajadas fortes, rondando para o sul.

Já muito perto do Alvorada, vi que teria que cambar uma vez (com a chuva pela proa) e outra vez depois, para conseguir ultrapassar a ponta.

Quando cambei, fui navegando para dentro da chuva, o que era assustador. Na tentativa de cambar de volta, o barco praticamente parou no contravento, e começou a navegar para trás (eu estava com a grande e uma genoa tormentinha), encalhando dentro das bóias do Alvorada.

Soltei todas as velas para panejarem, e mesmo assim o barco seguiu sendo empurrado para dentro do encalhe.

Receei que virasse, mas, depois de uns 10 minutos de muito vento e chuva, a tormenta passou.

Liguei para o Iate pelo celular, os marinheiros Oliveira e Marcílio vieram em socorro com um inflável, um pouco depois a tripulação do Tatuíra (Cota Mil) fez a gauchada de parar para ajudar, e por fim a lancha dos Bombeiros apareceu para safar o Rabbit.

Ainda aproveitei mais duas horas de sol e vento, antes da próxima chuva. Que, prudentemente, aproveitei como um popa e assisti passar atracado no Iate.

Balanço dos danos:
Um rasgo de um palmo na genoa, fora o susto, e a certeza de que estou certo em respeitar o mau tempo.

Desde que soube da virada do Eax, ao voltar do recesso, comecei a deixar carteira, chave de casa, etc....no carro.

E, apesar do barco ter os salva-vidas e bóias regulamentares, tenho usado um colete anatômico quando navego sozinho, por recomendação do Ivan, neste fórum.

Bons ventos a todos.


Comentário de Miguel Cleto

Sinceramente,.......

Navego no lago a quase 20 anos e ando surpreso com acontecimentos como os que estão sendo relatados. Que Micro vira não é novidade e é fato do conhecimentos de todos.

O que não é admissível é a inexistência de salva-vidas a bordo e tripulantes aparentemente surpreendidos com o fato de ocorrência provável.

Discordo da afimação relatada de que todo barco viraria naquelas condições. Já velejei no lago e no mar com ventos de mais de 40 nós e nem por isso passei algum susto nas proporções do relatado.

O caso do Rabbit ( um Vega 23 ) é surpreendente e o defecho só se justifica pela inexperiência da tripulação.

Sugiro a muitos que se informem melhor, pratiquem bastante e tomem todas as medidas preventivas necessárias para que fatos com os recentes não sejam mais uma constante no nosso Lago Paranoá, que sempre nos proporcionou velejadas seguras, confortáveis e no máximo com alguma emoção.

Surpresas com as relatadas podem ter desfecho muito, mas muito mais desagradável, principalmente para os que ficarem, do final feliz acontecido. Não desejo isso para a nossa comunidade de vela.

Desejo a todos boas e seguras velejadas,

Miguel Cleto