O dia em que o Chrysalis virou

Acabou acontecendo comigo!


Ivan Marinovic Brscan

Pensei que só fosse acontecer no mar, com ondas e ventos fortes.

No feriado do Dia do Evangélicos (só tem esse feriado em Brasília) em 30 novembro do ano de 2000, sai sozinho no meu microtonner, Chrysalis, no Lago Paranoá, em Brasília. A bolina não queria descer totalmente. Achei estranho. Ela emperrou.

Mesmo assim, fui velejar sozinho. Felizmente, tenho como princípio, nas minhas velejadas solitárias, seja de micro ou laser, usar o colete. Ajudou.

O vento estava forte, com rajadas de tempestade. O barco já adernava muito. Num dado momento, bastou uma bela rajada. Não consegui soltar a vela a tempo. Todos falavam que o microtonner vira. E virou. E eu sozinho nele.

Ajudou a minha experiência de dezenas de viradas no laser. Imediatamente, sem entrar n'água, subi na bolina. Ela escoregava muito, estava cheia de limo.

O receio de perder o barco e afundá-lo começava a tomar conta de mim. Até que consegui manter a calma. Mas gritava como um louco para dois windsurfistas virem me ajudar. Eles tentaram, só que dificilmente uma plancha a vela navega a contravento.

Só me acalmei quando percebi que o barco se estabilizou mesmo virado com as velas n'água inclusive o balão que estava no saco pendurado na proa.

Olhava para o lado, AABB (Associação Atlética do Bando do Brasil) e Clube Naval e nada. Nessa situação que parecia uma eternidade devo ter ficado uns cinco minutos, talvez até menos. Com ventos muito fortes.

O socorro até que não demorou. Três marinheiros da AABB chegaram de lancha. Mas nesse momento, não sei se é porque o vento diminuiu o barco começou a voltar na posição normal.

Aí cometi outro erro. Com medo do barco voltar a virar novamente, e encima de mim, joguei-me n'água.

Vi-me na situação de estar com o barco já em pé e eu n'água tentando subir me segurando no guarda macebo. E pior. As velas estavam caçadas e ele começou a dar seguimento. Eu tentava nadar para a popa e o barco se distanciava. Nesse momento, pedi ao marinheiro para subir no barco e soltar as velas. Ele fez e o barco parou

Consegui chegar na popa e subi no barco tremendo. Não sei se foi de cansaço ou de nervoso. Nesse momento, chega o segundo socorro. Edmar e Gabriel vieram com a lancha Lady Ingrid que me rebocaram até o Clube Naval.

Constatei os estragos. Nenhum. Felizmente, apenas as minhas tralhas reviradas. Por falta de um box, elas ficam todas lá. Parafusos e rebites da caixa de ferramentas estavam por todo lado. Tudo espalhado. E íncrível. Nem uma gota d'água por dentro. Só o susto.

No Clube, empreendi uma investigação para saber porque a bolina não tinha descido. Subi e desci até que constatei que um cabinho, que caiu dentro da caixa de bolinha a tinha emperrado.

Constatei também que não tinha colocado a trava da bolina. Poderia ter sido pior, se a bolina tivesse descido pelo lado superior na virada. Teria sido muito mais difícil retornar o barco na posição normal. Já houve casos de barcos microtonners virarem 180 graus. O mastro pode tocar o fundo do lago e quebrá-lo.

Foi bom ter acontecido isso tudo. Aprendi muito.

1º Nunca mais velejo com a bolina suspensa, mesmo um pouco. Bolina retrátil no micro levantada, só serve para viagem ou encalhe. Muitos velejam com a bolina levantada no través e no popa para ganhar mais rendimento, principalmente em regatas. É um risco.

2º colocar sempre a trava da bolina.

3º Em solitária, velejar sempre de colete (isso eu já faço).

4º Se virar, subir na bolina e se colocar mais na ponta possível para formar alavanca. E quando começar a desvirar subir imediatamente no barco e descaçar todas as velas.

5º Estou pensando seriamente em deixar um cabo de uns 10 metros na popa, solto n'água. Caso caia, tenho por onde segurar se o barco tiver seguimento.

O pior de tudo será me livrar do trauma. Só espero não ficar com medo de qualquer adernadinha. Já estou tentando me livrar do trauma da quebra do meu mastro, que também aconteceu nas porradas de vento em um outro feriado.

Ou será que virar o barco será algo normal daqui para frente? Como é no laser. Quando encalhei pela primeira vez, perto da ilha, achei que era o fim do mundo. Hoje, encalho até brincando.

Enfim. Uma conclusão. O Micro realmente vira. Mas no porradão (com a bolina semi-levantada). Mas ele desvira também.



Relato de Henrique Augusto Gabriel,
do veleiro Miss Crocodilo
Clube Cota Mil - Brasília

Amigos,

Sei que a experiência ocorrida com o Ivan é sempre traumática, pois o Lago em dia de ventos fortes chega a ser assustador, ainda mais com o barco virado. Porém, devemos lembrar que houve um acidente, causado pela bolina ter ficado presa por um cabo.

Os barcos com bolina têm estabilidade de forma, especialmente por sua boca maior do que aqueles com falsa quilha. Se a bolina não é levantada ou baixada, conforme a mareação das velas, ela perde completamente o sentido e o rendimento do barco torna-se inferior em comparação a veleiros sem bolina.

Quando no través, com o vento de popa ou pela alheta, o trabalho com a bolina faz o micro ganhar bastante velocidade, e não é velocidade aparente, pois testei com o GPS.

Mesmo sem o GPS é possível verificar o ganho de velocidade quando o motor está ligado. Mantenha a velocidade constante e varie as posições da bolina.

Diga-se, ainda, que a tribulação ideal do Micro é três em virtude do trabalho com a bolina. Por isso, deve ser feito com a tripulação completa e especialmente em competições, onde a atenção está toda voltada para o barco.

Lembremos, Todos os barcos viram: navios, veleiros e lanças. Por mais seguros que sejam.

Em minha opinião, levantar a bolina é necessário em competições e passeios onde se quer maior velocidade, desde que haja alguém, além do timoneiro, sempre atento a ela.

Henrique (crocodilo)


Relato de Maurício Bittencourt

Prezado Ivan,

Parabéns pelo "batizado".

Li seu relato e resolvi te passar algumas informações que adquiri velejando de Micro de 89 a 94.

Neste período a classe era bastante ativa e realizamos 2 brasileiros aqui no ICB. Nas regatas festivas a média era de 10 Micros. O Sergio (bai-bai) era o secretário nacional da classe e eu o capitão da flotilha.

Mas vamos as informações.

Primeiro, todo o barco bolinado, seja ele de que tamanho for, ( o meu atual por exemplo, o Twist ) é passível de menor estabilidade proporcionalmente ao tanto que se ergue a bolina velejando.

Particularmente eu sou um fã do Micro sendo que o projeto do Twist foi alterado para bolina graças a anos velejando de Micro.

Mas deve-se ter certa atenção pois é um barco "quente", não respeitando algumas manzanzadas.

Na minha época, ( por 5 anos ) houveram apenas 2 casos de de Micro virarem que eu tivesse notícia.

Em ambos os casos, como no seu, faltou atenção da tripulação ao elemento bolina/trava.

Um caso foi aqui em Brasília, perto do Cota. Um Micro (do ICB) vinha de popa, com vento forte e o timoneiro levantou a bolina (não estava em regata) e não usou a trava. Resultado, o barco entrou em pêndulo, a retranca entrou na água, o barco virou e emborcou (180 graus), quebrou o mastro e a tripulação com custo o desvirou, a quilha neste caso (invertida) trabalhava para manter o barco emborcado. Fora o prejuizo material nada mais.

Outro caso foi com um Micro velejando em cruzeiro no canal de Ilhabela (SP), virou na mesma situação (bolina em cima e sem trava) e o barco virou 90 graus. As ondas foram emborcando-o (180 graus), invertendo a bolina. Neste caso houve um perigo eminente pois havia uma criança na cabine e o barco foi a pique lentamente, dando tempo para a tripulação mergulhar sobre o barco e retirar a criança.

Em todos os casos de virada é sempre o mesmo erro: bolina levantada, sem trava.

Corri 2 Camp. Brasileiros em SP. Se vc tiver oportunidade vá que curtirá muito e aprenderá mais ainda.

Lá tem uma flotilha grande. Os paulistas tinham a bordo uma trava feita em sua maioria de um pedaço de cabo de vassoura.

É isso mesmo, arria-se a bolina toda, mede-se o espaço da cabeça da bolina à trava e cortasse a madeira. Depois pinta-se para ficar bonito, etc. Ou pode ser feito de um tubo metálico, mas os que vi em sua maioria eram feitos de cabo de vassoura pintados de branco.

Com isso garante-se que mesmo que o barco gire 180 gaus (mar aberto com ondas grandes) a bolina fica em sua posição mais baixa e o barco se auto-adriça.

Aqui em Brasília, corri muito com minha esposa. Ganhamos 2 vezes o campeonato do DF e sempre estavamos no pelotão da frente. Certa regata, quando liderávamos, vi uma rajada muito forte se aproximar. So deu tempo deu falar para ela : "se segura !"

"Como estava em contravento com a buja e o grande caçado e o vento era muito forte, apesar de espetar o barco na rajada que vinha como um rodamoinho, este jogou o Micro na água instantaneamente ( o mais engraçado foi sentir o leme pivotar sem resistência dágua).

Imediatamente soltei o grande e o barco ergeu-se sozinho instantaneamente. Como a buja estava caçada, fui velejando de novo, caçamos o grande e mandamos ver.

Fiquei em 90 graus por cerca de 5 segundos e ainda vencemos a regata.

O seu maior erro no caso foi não soltar o grande. A vela enche-se d'água e o peso da água não deixa o barco retornar.

E ainda pior, quando o barco adriça já sai velejando sozinho e adernando de novo.

Outra dica em vento muito forte veleje mais coma buja e dê muita torção no grande ( deixe-a bater na rajada ).

O barco fica mais em pé, na sua mão e muito rápido.

Bom desculpe o grande texto, mas queria te passar algumas dicas que espero sejam proveitosas. Aproveite seu Micro, é um barcão. Quem sabe um dia o Henricão toma coragem.....(hehe).

Abraços.

Bons ventos.

Mauricio.



Vejam também

Trava da bolina do Microtonner (aperfeiçoada)
De Martin Izarra - SP

Flutuabilidade do Microtonner (aperfeiçoada)
De Martin Izarra - SP